Por uma igreja conservadora e progressista


Por Edvar Gimenes de Oliveira

Perguntaram ao conservador filósofo inglês Roger Scruton, o que seria ser conservador, e ele respondeu: “Conservadores, segundo eu percebo, são pessoas que estão cientes do fato de que herdaram algo bom. Uma ordem social; um sistema político; uma cultura; uma tradição jurídica; e elas querem permanecer com isso. E isso significa ser conservador: querer conservar coisas. Mas sabem que também tem que criar compromissos para fazer isso. Para elas a atual ordem existente é importante”.

Pus-me a pensar em sua resposta e destaquei de sua fala o que considerei essencial: pessoas “cientes de que herdaram algo bom”. Há, portanto, uma diferença entre “pessoas conservadoras” e “pessoas aliadas políticas de conservadores”: a consciência de que herdaram algo bom.

Perguntei-me, então: seria conservadora uma pessoa que herdou algo ruim? Claro que não. Se é ruim, queremos mudar pra melhor. Conservar o que é ruim, seria patológico. Progredir do ruim para o bom é o desejo saudável.
Roger Scruton destaca como algo bom: “uma ordem social; um sistema político; uma cultura; uma tradição jurídica” e conclui: “e elas querem permanecer com isso”.

A questão é que Roger Scruton vive na Inglaterra que tem, digamos, “uma ordem social; um sistema político; uma cultura; uma tradição jurídica” bons. Podemos dizer isso da realidade brasileira? Nossos indicadores de violência e distribuição de renda são bons? Nosso sistema político, eleitoreiro-clientelista, é bom? Nossa cultura endêmica de corrupção é boa? Nosso sistema jurídico que só consegue manter na cadeia, predominantemente, pobres e pretos é bom? Não. Logo, declarar-se conservador nesses quesitos, no Brasil, seria falta de consciência.

Quando penso numa igreja conservadora e progressista, penso numa igreja que não se declara uma coisa ou outra pra ser aceita como aliada de quem vive bem sendo o que é, mas numa igreja que sabe que há coisas boas que precisam ser conservadas, mas também há ruins que precisam ser modificadas. Sabe que é desejável progredirmos do ruim para o bom ou do bom para o melhor ou do melhor para o ótimo e que isso é ser progressista.

Penso numa igreja com senso crítico que a torna conservadora no que, efetivamente, precisa ser conservado e não se declara conservadora por ser subalterna, por querer agradar, a quem vive bem conservando aquilo que é bom pra si, em detrimento dos semelhantes que vivem “ao lado”, na desgraça.

Em outras palavras, uma coisa é Roger Scruton, na Inglaterra, outra coisa, certamente, seria ele, no Brasil.

Então, antes de endeusarmos a nomenclatura “progressista” e demonizarmos a “conservador”, ou vice versa, pensemos no significado dos termos e nos abramos a um diálogo avaliativo e respeitoso em torno de cada situação, visando conservar o bom e progredir do que é ruim para o melhor, para todos.



Polarizações sempre existiram e sempre existirão. Reconhecer a existência delas é mais saudável do que negar. Nas narrativas bíblicas, como na história da igreja e das nações, elas sempre estão presentes, por causa de prestígio, propriedades, dinheiro, sexo, poder, ideologia, pensamento doutrinário, enfim. Basta usar lentes adequadas e, em quase cada página das Escrituras ou de histórias, enxergaremos evidências disso.

Isso não as legitima. Apenas demonstra o quanto somos movidos por instinto e o pouco que a razão espiritual é capaz de nortear nossas avaliações e escolhas.

Continuando a reflexão sobre o raciocínio do filósofo conservador inglês Roger Scruton que declara: “conservadores, segundo eu percebo, são pessoas que estão cientes do fato de que herdaram algo bom”, e já tendo dito que algo bom, no contexto inglês do discurso dele, justificava ele ser conservador, mas no contexto brasileiro, os aspectos destacados por ele eram, em qualidade, diametralmente opostos, destaco um outro ítem que merece consideração: o conceito “bom”.

Nas relações comerciais há um ditado que diz que “um negócio só é bom quando é bom para ambas as partes”. Isso significa que, para que duas partes caminhem juntas, elas não apenas precisam ter clareza do significado do conceito bom, aplicá-lo corretamente a um dado objeto ou situação, mas também desejar que ambas as partes sejam beneficiadas, pelo que é bom, de maneira justa.

Quando uma parte está muito bem e, para conservar a situação, demonstra-se incapaz de perceber que a outra está muito ruim e, em condições opostas, uma outra, sofrendo muito, quer mudar (progredir) o quadro, a polarização se estabelece.

Isso, além de tornar-se um inferno para ambas, ainda cria um ambiente para torcedores fanáticos, extremistas. Uns são movidos por empatia, mas a maioria, movida por instinto animalesco, escolhe um lado e passa a jogar lenha na fogueira. São “aliados políticos” que se elogiam como “conservadores” e xingam a outra parte de “progressistas”, ou vice versa.

Se, entretanto, desejamos ver ambas as partes se saindo minimamente bem na relação é essencial que, cientes do bem que se quer para todos, abra-se diálogos constantes e lute-se pela conservação do que é reconhecido como bom pelas partes e progrida-se em busca de alternativas através das quais se consiga sair do ruim para o bom, para todos.

Em tese, isso é fácil. Na prática, é um imenso desafio, pois os instintos, repito, falam mais alto do que a razão. Isso é triste, pois, se continuarmos nos agredindo com rótulos: conservadores ou progressistas; fundamentalistas ou liberais; direitistas ou esquerdistas; petralhas ou bolsomilicianos, a chance de chegarmos ao bom desejado diminui e o mau para todos vai aumentando seus espaços.

Como conciliar duas posturas que, em termos, seriam política e ideologicamente opostas?

Dissemos anteriormente que isso é possível quando fazemos uma leitura da situação, avaliamos sua constituição e identificamos que elementos devem ser conservados e quais devem ser modificados, visando atender o bem comum.

Agora, gostaria de propor uma reflexão que aponta uma outra forma de conciliar as posturas “conservadoras” e “progressistas” na vida de uma igreja. Refiro-me a relação dos termos “princípios” e “práticas” na caminhada comunitária.

Eliezer Arantes da Costa, em seu ótimo livro “Gestão Estratégica Fácil”, escreve que princípios e valores “são pontos fixos – exatamente aqueles tópicos que não estamos dispostos a mudar”. Ele diferencia princípios de valores dizendo que “é como se os princípios fossem os fundamentos de um edifício, ao passo que os valores seriam as cores e os acabamentos das paredes externas ou internas de um prédio: ambos são importantes, mas em natureza e graus são diferentes”.

Parece paradoxal, mas “progressistas” também são conservadores. Eles também têm princípios e valores que sustentam suas práticas e os conservam com unhas e dentes, assim como os “conservadores”.

Com boa vontade, muita humildade e diálogo (esses são exemplos de princípios e valores essenciais), conservadores e progressistas conseguiriam identificar que não são poucos, repito, os princípios e valores em torno dos quais há concordância.

Talvez a divergência maior esteja na defesa e aplicação prática deles em relação aos relacionamentos interpessoais e na estruturação legal e organizacional da vida em sociedade.

Parece-me que, por exemplo, ambos creem que amor, justiça e solidariedade deveriam ser, mais do que valores, princípios de vida. Divergem, entretanto, em como esses princípios devem ser aplicados nos relacionamentos e nas múltiplas estruturas em torno das quais a vida se desenvolve.

Então, se somos conservadores nesses princípios e valores, eles deveriam influenciar nossos esforços por diálogos que nos ajudem a aplicá-los à vida em coletividade, visando superar práticas nocivas.

Será que estou sonhando demais? Seria razoável essa minha percepção?

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