Os Descendentes da Guerra: A Presença dos Protestantes Confederados Norte-Americanos em Santa Bárbara do Oeste

Os Descendentes da Guerra:  A Presença dos Protestantes Confederados Norte-Americanos em Santa Bárbara do Oeste

 Marcelo dos Santos Oliveira

Bacharel em Teologia, Licenciado em História,

Mestre em Ciências Religião

Confederados no Brasil

 

Lauri Emilio Wirth afirma que existe um consenso mínimo quanto a algumas características do protestantismo de imigração na América Latina[1]:

  • É um protestantismo que se formou a partir do fenômeno imigratório na América Latina, fenômeno que condicionou fortemente o seu crescimento, quando a imigração era intensa, ou sua retração, quando a imigração estagnou.
  • O imigrante é portador, não somente de uma tradição religiosa, mas de toda uma bagagem cultural e ideológica distinta daquela da sociedade receptora. Esta bagagem representa um fator de coesão do grupo e lhe confere uma identidade no meio que lhe é estranho e, muitas vezes, adverso.
  • O grau de tolerância religiosa conquistada por este protestantismo, pelo menos no que se refere ao aspecto legal da questão, é determinado pela necessidade de mão de obra por parte dos países receptores dos imigrantes, onde o catolicismo era a religião hegemônica, quando não oficial.
  • O protestantismo de imigração é, por isto, um protestantismo étnico que tem na preservação da cultura e, especialmente, na preservação do idioma, uma de suas características fundamentais. No plano institucional, aparece inicialmente vinculado a igrejas do país de origem.
  • Com as novas gerações nascidas nos países de imigração, constata-se um processo de aculturação que se evidencia na independência institucional, na adoção do idioma nacional, no engajamento social, no desenvolvimento de estratégias para conquistar adeptos entre a população autóctone, um processo que geralmente vem acompanhado por uma crise de identidade, por estagnação ou por um crescimento apenas vegetativo.

 

A imigração de Sulistas para o Brasil após a Guerra é um evento curioso e interessante: resultado direto da guerra. Esta foi a maior imigração por motivos políticos na história dos Estados Unidos.

Segundo Betty Antunes, a emigração de cidadãos norte-americanos para o Brasil,

Tem sido analisada mais sobre termos numéricos, sem levar em conta os qualitativos e a proporcionalidade em relação aos emigrados europeus.[2]

A Imigração Americana no Brasil é um fato raramente mencionado nos livros, apesar de sua grande importância não somente para o desenvolvimento do interior de São Paulo, mas também para o estado. O final da Guerra Civil Americana (1861 – 1865), entre nortistas e sulistas, com a derrota dos sulistas, foi o início de um longo processo que terminaria aqui, em terras brasileiras.

A grande maioria dos imigrantes americanos que vieram para o Brasil se dirigiu para as colônias de Dunn, em Cananéia e Mac-Mullan, em Iguape. O restante rumou para o interior de São Paulo, estabelecendo-se por conta própria.

Centenas dos que não se adaptaram na Ribeira ou em outras colônias, transferiram-se para Santa Bárbara d’Oeste. Em 1866 os primeiros americanos se fixaram em território barbarense, estabelecendo-se em terras da fazenda Machadinho, hoje Americana. Novas levas de imigrantes foram adensando a população americana da região e, em pouco tempo Santa Bárbara seria um núcleo mais representativo do grupo.

Aqueles que trouxeram consigo algum capital adquiriu terras logo na chegada; outros vendiam sua força de trabalho e conhecimentos técnicos para os grandes fazendeiros da região até acumularem o suficiente para se estabelecerem por conta própria.

Dessa onda de imigração, que deve ter chegado a 9000 pessoas, várias colônias se formaram.[3] A maior e mais importante estava situada na Vila de Santa Bárbara, São Paulo. O fundador da Colônia Confederada foi o Coronel William Hutchinson Norris, nascido em Oglethorpe, Geórgia. Ele mudou-se para o Alabama e posteriormente foi Senador pelo Texas, após viver vários anos em Dallas. O Coronel Norris era advogado, e é mencionado no livro “Reminiscences of Public Men of Alabama”.

Quando os “carpetbaggers” invadiram o Sul ao término da Guerra, o Coronel Norris reuniu sua família e rumou para o Brasil. O Imperador Dom Pedro II recepcionou os sulistas pessoalmente, graças aos contatos que o Coronel Norris tinha na Maçonaria e ao interesse que o Brasil tinha nas técnicas agrícolas refinadas que os Sulistas traziam, notadamente no cultivo do algodão. O imperador do Brasil, Dom Pedro II, queria desenvolver o país, especialmente o interior, porque as terras eram vastas e vazias. Sabendo que os sulistas americanos eram exímios agricultores, decidiu trazê-los, para plantar algodão aqui.

O governo brasileiro esperava e obteve uma forte contribuição para a agricultura e áreas afins, como podemos observar: o arado, a roda de ferro com aros de madeira, a máquina de costura, a tecelagem da seda. Também trouxeram plantas medicinais, o arroz de terra seca, a melancia, a produção da manteiga. Com o passar do tempo, começaram a desenvolver outras áreas, e criaram a 1ª Escola Agrícola e a 1ª Escola de Enfermagem do Brasil.

Os norte-americanos, empreendedores por natureza e necessidade, não tardaram a fazer sentir a influência dos seus esforços econômico-sociais. Eram pessoas que precisavam e desejavam terra para cultivar. Fundaram inúmeras propriedades agrícolas, sobretudo de algodão, o que, por sua vez, veio desenvolver a indústria têxtil.

Os imigrantes adquiriram terras no estado de São Paulo a 22 centavos de dólar por acre, e também no Espírito Santo, Bahia, Rio de Janeiro e Santa Catarina. Alguns foram para Santarém, Pará, para o Vale do Rio Doce e para Iguape, no litoral paulista, mas a maioria se estabeleceu na Vila de Santa Bárbara. Esta comunidade foi a mais importante, e originaria a cidade de Americana, hoje um centro têxtil e industrial.

Um problema de ordem burocrática, não obstante causador de estigma, era a dificuldade em obter cidadania. Só em 1921 foi legalizada a imigração estrangeira.

O idioma português era um dos problemas, tanto a gramática quanto os sons eram muito diferentes e difíceis para eles. A religião também era um ponto a considerarem, pois eram protestantes, e não possuíam lugar algum para celebrar seus cultos, casamentos, funerais.

O problema da língua resolveram ao criar o Colégio Internacional em Campinas e a Escola Americana em São Paulo. Com estas escolas inovaram com as práticas de misturar meninos e meninas na mesma sala de aula, ensinar uma língua estrangeira e, um escândalo então, permitir que crianças negras estudassem e lessem. Contudo, a questão da religião era ainda mais séria, porque significava sua crença mais profunda e também a maneira de preservarem seu idioma. As crianças tinham que conseguir ler para poderem acompanhar os cultos, ministrados em inglês. A única solução era construir sua própria capela, e assim eles fizeram, a Capela do Campo.

O lugar em Americana foi doado por um dos primeiros imigrantes sulistas, e eles ergueram sua capela e um pequeno cemitério. A área é chamada de Cemitério do Campo, e é um dos símbolos da sua vinda para o Brasil, se não o mais importante.  Logo à entrada eles construíram um monumento para mostrar os nomes de todas as famílias sulistas americanas que migraram para o Brasil, personagens principais de um fato histórico para os dois países.

Por volta de 1866, faleceu a esposa do Coronel Thompson Oliver, imigrante americano dono de terras nas proximidades do bairro do Campo. Seguindo um velho costume do sul rural dos Estados Unidos, ele escolheu um local de sua propriedade para sepultar sua esposa. No ano seguinte enterraria uma filha no mesmo local. A partir de então, os americanos residentes em Santa Bárbara e nas proximidades passam a enterrar seus entes queridos no Campo.

Com o passar do tempo, resolvidas as questões relativas à sobrevivência e moradia, a comunidade se mobiliza para a construção da primeira capela protestante de Santa Bárbara e o local escolhido foi o Campo que passa a ser um local de culto e o Cemitério dos Americanos.

O Cemitério do Campo, que se tornaria o centro espiritual da colônia Confederada no Brasil, foi fundado também por causa das restrições que eram feitas a enterros de não-católicos em cemitérios municipais. A velha fazenda dos Oliver era um local conveniente, e seu ponto mais elevado não era adequado à lavoura. Tornou-se, então, o cemitério não-oficial da comunidade e, em 1954, a Fraternidade Descendência Americana foi constituída para manter o cemitério. Anos depois, Ross Pyles doou o terreno legalmente para a Fraternidade.

O cemitério do campo está localizado na zona rural, cercado por lavouras de cana-de-açúcar. Fica a 16 quilômetros de Americana e Santa Bárbara D´oeste. Essas duas cidades distam 160 quilômetros da cidade de São Paulo.

 

Durante seus primeiros anos na nova pátria, os sulistas, por razões culturais, evitavam mesclar-se com os brasileiros. Entretanto, com a evolução da comunidade e a chegada de novos imigrantes, eles tornaram-se brasileiros de fato e casaram-se com italianos, poloneses, alemães, holandeses, japoneses, russos e seus descendentes.

A imigração para o Novo Mundo constituiu uma mistura de nacionalidades, uma aculturação que se verificou lenta, mas razoavelmente bem sucedida.

 

Os Encontros  Hoje

Dessa onda de imigração, originou-se a comunidade de descendentes dos imigrantes sulistas, conhecidos como “Os Confederados”. Os descendentes estão espalhados por todo o Brasil, mas a maior comunidade, e mais importante, está localizada no estado de São Paulo. Essa comunidade, fundada por sulistas, deu origem à cidade de Americana e sua cidade-mãe, Vila de Santa Bárbara (hoje denominada Santa Bárbara d’Oeste). Ambas a poucos quilômetros de distância são o centro de gravidade da comunidade de descendentes dos sulistas no Brasil. Desde 1954, a Fraternidade Descendência Americana tem ali a sua sede.

Hoje, o Cemitério do Campo é o testemunho da mais bem-sucedida colônia Sulista fundada após a Guerra da Secessão. Alguns dos que imigraram para o Brasil retornaram aos Estados Unidos nos anos que se seguiram. Aqueles que permaneceram foram assimilados pela sociedade brasileira. Poucos dos que vivem hoje em Americana e Santa Bárbara d’Oeste conseguem ligar sua origem aos imigrantes Sulistas. Os descendentes daquelas 400 ou 500 famílias que permaneceram no Brasil estão espalhados pelo Brasil, e muitos vivem nas grandes cidades. Apesar disso, os Confederados conseguiram fundar e manter o Museu da Imigração em Santa Bárbara d’Oeste com o apoio das autoridades municipais, e a Fraternidade mantém-se muito ativa, com uma diretoria vibrante e numerosos associados. Hoje, os Confederados consideram-se brasileiros, e adotaram o idioma e os costumes locais.

Os descendentes reunem-se no Cemitério do Campo todo segundo domingo de cada trimestre (janeiro, abril, julho e outubro), para um culto, discussão de assuntos relacionados à Fraternidade e um lanche tradicional. Cada família traz alimentos e bebidas, e todos se deliciam nesse almoço comunitário, com pratos típicos brasileiros e sulistas. Os mais velhos conversam em inglês com sotaque característico do sul do Estados Unidos, enquanto as crianças brincam, falando em português e pouco inglês.

 

 

[1] Lauri Emilio WIRTH.,  Protestantismo e etnia, Estudos da Religião, (13): p. 87.

[2] Betty Antunes de OLIVEIRA, Centelha em restolho seco ( uma contribuição para a história dos primórdios do trabalho batista no Brasil),  p. 7.

[3] Sobre a Guerra Civil norte americana, os resultados e chegada ao Brasil ver: Judith Mac Knight JONES,  Soldado descansa! Uma epopéia norte americana sob os céus do Brasil.

One thought on “Os Descendentes da Guerra: A Presença dos Protestantes Confederados Norte-Americanos em Santa Bárbara do Oeste

  1. Assunto pouquíssimo explorado e que merece uma análise de um pesquisador como Marcelo Santos. Incentivo o mestre e professor em nos brindar com um doutorado sobre o tema.

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