NOTA SOBRE RELAÇÃO ENTRE CBB E ANAJURE

Causa-nos estranheza ver a imagem da Convenção Batista Brasileira (CBB) e de entidades a ela vinculadas[1] atrelada à Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE). O episódio mais recente dessa aproximação foi a divulgação de carta de apoio à candidatura da ANAJURE ao Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade (CNPD), para uma das 3 (três) vagas destinadas a “organizações da sociedade civil com atuação comprovada em proteção de dados pessoais” (Lei 13.709/2018, art. 58-A, VII).

Além da evidente inadequação da ANAJURE para a vaga pretendida, a carta não esclarece quais preocupações ou objetivos norteariam sua atuação, como voz representativa dos evangélicos em tema com efeitos diminutos sobre o cotidiano das igrejas.[2] Rejeitamos a ideia de que caiba aos evangélicos ocupar as diversas esferas do estamento político, bem como a intenção da ANAJURE de falar em nome desse segmento, função que, entre os batistas brasileiros, compete apenas ao Conselho Geral da Convenção (Estatuto da CBB, art. 16, V).

Alertamos para o perigo de uma aproximação das estruturas denominacionais com uma Associação que anuncia pretensões estranhas ao ethos batista, como (i) atuar no espaço público como mediadora entre o poder público e líderes religiosos, (ii) dar-lhes instruções jurídicas e (iii) ser porta-voz dos evangélicos em matérias de políticas públicas, apresentando-se como parceira institucional das denominações evangélicas “históricas” e sua representante perante o Poder Público e Tribunais Superiores, especialmente o Supremo Tribunal Federal (STF).[3]

A ANAJURE é uma associação de profissionais do Direito, evangélicos ditos conservadores, que se afirma, como é natural, “independente do governo”. Seu histórico, porém, evidencia um alinhamento automático às posturas e ideologia do atual governo federal. Sua atuação é claramente política e se dá de braços dados a setores fundamentalistas, parlamentares evangélicos e personagens controversos da atual administração federal, com os quais interage para influenciar projetos de lei e políticas públicas governamentais, sabatinar e patrocinar nomes para cargos públicos e pleitear verbas públicas para o financiamento de suas atividades.[4]

A Associação atua na defesa da “pauta moral conservadora”[5] e retrata os evangélicos como vítima de perseguição religiosa no Brasil, mas se abstém da denúncia de injustiças, misérias sociais, violência, ou mesmo de tratar da corrupção de forma consistente. Não se manifesta sobre os repetidos atos de ameaça à democracia, ou sobre os abusos de invocação da Lei de Segurança Nacional para perseguir críticos ao governo, nem se pronuncia quando outros grupos religiosos são atacados.

Como se vê, sua pauta no campo da justiça é demasiadamente seletiva e transmite à sociedade a mensagem de que, para os evangélicos, só importa a “pauta moral conservadora”, além da busca de privilégios, como o perdão bilionário, que apoiou, de dívidas de contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) de igrejas-empresas. Os direitos que abraça, em postura defensiva, são poucos diante dos ideais batistas brasileiros.

O comprometimento ideológico e político dessa Associação, que apoia o governo em troca de espaços na estrutura do poder, causa desconforto a uma parcela significativa de líderes batistas brasileiros. Não são poucos os que divergem totalmente das interpretações, conclusões e ações encampadas pelos autointitulados “juristas”.

Alertamos para o perigo de um endosso da CBB às ações e opiniões da ANAJURE, ou de sua utilização como órgão de aconselhamento ou representação, que não é. Não nos parece saudável para a CBB, nem para as demais instituições a ela vinculadas, assessorar-se ou fazer-se representar pela referida Associação, cuja agenda não se coaduna com os princípios batistas.

Como batistas, prezamos pela liberdade, autonomia do indivíduo, celebramos nossa unidade em meio à diversidade inerente ao modo de ser batista, valorizamos a separação entre Estado e Igreja. Por isso, convidamos os que preservam o espírito batista a resistirem à tentação de estabelecer alianças com governos, para ditar pautas morais, a fim de que não se perca a capacidade profética de denunciar abusos e injustiças, de quem quer que seja. Afinal, “é preciso lembrar à Igreja que ela não é senhora nem serva do Estado, mas, sim, a consciência dele” (MLK).

MOVIMENTO BATISTAS POR PRINCÍPIOS

 

[1] São elas: Junta de Missões Mundiais (JMM), Junta de Missões Nacionais (JMN), Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil (STBSB), Associação Nacional de Escolas Batistas (ANEB).

[2] Como justificativa da atuação da ANAJURE em assunto de proteção de dados, a carta cita apenas quatro iniciativas pontuais, entre as quais uma nota pública contrária à utilização de dados de geolocalização como medida de combate à pandemia do coronavírus.

[3] https://anajure.org.br/anajure-emite-carta-de-teses-e-principios-aos-postulantes-ao-cargo-de-procurador-geral-da-republica-2019/

[4] https://anajure.org.br/apos-reuniao-estrategica-da-anajure-com-lideres-religiosos-de-todo-o-pais-presidente-do-brasil-recebe-comitiva-no-palacio-do-planalto/

[5] https://anajure.org.br/nota-de-imprensa-anajure-congratula-presidente-dos-estados-unidos-pela-escolha-de-amy-coney-barrett-para-a-suprema-corte/

6 thoughts on “NOTA SOBRE RELAÇÃO ENTRE CBB E ANAJURE

  1. Eu, particularmente estou muito triste e preocupado, com essa pretensa união com a política. Eu sempre disse aqui, para meus familiares que a Igreja Batista não fazia parte dessa união, isso era coisa da UNIVERSAL. Agora á partir dessa leitura chego a conclusão, que essa união está abrangendo todas.
    Digo isso, por que, na minha juventude fui batizado numa Igreja Batista e ali no pouco tempo que conviví, pude notar que a Comunidade Batista era isenta da política. Espero que essa minoria, ou nem sei, talvez seja a maioria, que não vão se deixar contaminar com o “poder” e vivam no Poder do evangelho de Jesus Cristo.
    Amém

  2. Se, na verdade, a identidade Batista (B maiúsculo mesmo) há de ser maculada, meu entendimento é de que não nos debrucemos sobre esta farsa…

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