Pelo Pr. Carlos César Novaes
As igrejas batistas são definidas como autônomas. Em confissões de fé, exposições de princípios e declarações doutrinárias, os batistas apresentam o conceito de autonomia como o coração da sua eclesiologia.
Decorrente de uma enfática defesa, desde o surgimento do movimento separatista inglês no século XVII, das liberdades individuais (em especial, da liberdade religiosa), da marcante fronteira entre Igreja e Estado — ponto de partida para o laicismo ocidental — e, obviamente, do sistema congregacionalista, a autonomia da igreja local é, por um lado, apregoada com eloquente entusiasmo enquanto, por outro, é parece muito mal compreendida e praticada.
Antes de qualquer outra afirmação, voltemos às fontes.
Em primeiro lugar, às fontes etimológicas. Convém que as palavras sejam definidas para que evitemos as imprecisões e ambiguidades. Autonomia é um termo que se refere ao autogoverno, à autogestão e à formulação das suas próprias normas. Na eclesiologia congregacionalista, o princípio da autonomia garante que uma igreja se responsabiliza por sua própria administração.
Agora o princípio na forma em que se estabelece nos manuais de doutrinamento: uma igreja é um corpo autônomo, sujeito unicamente a Cristo, sua cabeça. Seu governo democrático, no sentido próprio, reflete a igualdade e a responsabilidade de todos os crentes, sob a autoridade de Cristo (Pacto e comunhão: documentos batistas, Convenção Batista Brasileira, 2004).
Fique claro que ao se falar em Cristo como cabeça da igreja, ou na igreja sob a autoridade de Cristo, entende-se que o grupo comunitário de fé optou por preservar e colocar em prática o que compreende como corpo de ensinos do Senhor e que, portanto, tais ensinos (à luz da interpretação teológica ou doutrinária a que foram submetidos) representam a vontade de Jesus em relação aos seus discípulos, à conduta cristã e à missão da igreja.
Em suma, uma igreja deve viver em função do corpo de ensinos que adota para si — e talvez precisamente aqui tenhamos as fronteiras da autonomia em termos concretos. Uma igreja, então, é autônoma no sentido do autogoverno e da autogestão, mas não para romper ou trair os princípios que defende.
A partir destes assentamentos eclesiológicos, duas observações devem ser realçadas para que o rigor do sentido de autonomia permaneça incólume:
- a) autonomia não significa isolacionismo, pelo qual uma igreja despreza laços cooperativos por se julgar autossuficiente. Ao lado do princípio de autonomia subsiste o de cooperação.
- b) autonomia não significa autoritarismo, pela qual um líder se autoproclama (até por acreditar sinceramente que isso seja realidade) a única referência absoluta para fazer uso da congregação autônoma como instrumento de divulgação dos camuflados projetos do seu reino pessoal, e não do Reino de Deus.
Porque, em alguns casos, igrejas se isolam em nome da autonomia e alguns líderes ou pastores utilizam a autonomia congregacional como canal de formalização de interesses e caprichos próprios, é sempre necessário e oportuno relembrarmos o autêntico sentido e a competente aplicação do princípio de autonomia das igrejas. E compensa defendê-lo naquilo que possui de legítimo e verídico.