FUNDAMENTALISMO, DE NOVO

Por Sérgio Dusilek

De fato, o fundamentalismo não dialoga com a dinâmica da vida. É uma proposta de represamento da vida, do fluxo de informações. É a impossibilidade de ser moldado, de mudar de pensamento, de conversão, pois quando há algum fluxo, é o da repetição. Num mundo todo conectado, ser uma ilha (e você pode sê-la usando a internet, basta não se abrir para a informação) angustia a alma até o insuportável.

O fundamentalismo é uma capa. Com ele o pecado de quem tem essa posição é coberto. Sobre esta capa, nomeia-se o “pecado de tróia” da vez, faz-se um cavalo de batalha, desvia-se o foco para que o pecado individual (inclusive do fundamentalista) não seja confrontado. Sim, ele permanece sendo regado, cultivado nessa estufa que a capa acabou por criar.

O fundamentalismo cega. Seus adeptos não se vêm como realmente são. Sem essa autoconsciência, passam a se colocar sobre os outros. O resultado? O modelo do farisaísmo encontrado por Jesus ao longo do seu Ministério, marcado pelo desprezo a vida alheia e amor ao patrimônio pessoal e aos negócios (Lucas 13).

O fundamentalismo mata. Não só pela promoção de Jihads, de Cruzadas, de Guerras Santas, quando pegam deliberadamente em armas. Mata nas acusações infundadas, nas perseguições injustificadas, na desconsideração do que é minimamente cristão. Mata na troca do destino da adoração: ídolos são incorporados, venerados e o Senhor é desprezado! Em nome da Palavra, rompem com o Espírito que a ilumina. Secos, espalham sua aridez desertificando outras vidas, igrejas e, por fim, a própria sociedade. Lembre-se: foi um tipo de proto-fundamentalismo, de corte farisaico, que perseguiu e arquitetou a morte de Jesus (João 11). Ouso dizer que todo seguidor de Jesus de Nazaré “padecerá perseguições” (termo paulino) de fariseus que, como nos Evangelhos, não é gentílico, mas pertencente à “mesma religião”.

O fundamentalismo fomenta o suicídio, inclusive de pastores. Seja pela perseguição injusta, pela falta de tolerância e respeito com o divergente, numa evidente distorção do que é ser Igreja e na transformação dela em Clube (sim meus queridos e queridas! Não são as festinhas de adolas crentes a marca do clubinho gospel! São as comunidades fechadas que exigem uma outra profissão de fé que não a exposta na Bíblia. Isso sim é clube! Com um detalhe: que sobra sisudez e falta alegria!); seja pela falta de ambiência para procurar ajuda… há seminários, pasmem, que até hoje demonizam a psicologia e a psiquiatria. Como esses colegas serão ajudados, se a parte técnica da ajuda é “do Diabo”? Tal ensino é palavra de morte, jamais de vida. Seu incremento ao suicídio se dá também pela total inapetência em lidar com a complexidade da vida. Num mundo de partículas subatômicas, de física quântica, a simples álgebra não dá conta da abrangência e, novamente, da complexidade da vida.

O fundamentalismo bitola. Peguemos o exemplo das narrativas bíblicas. O registro, a narrativa, não é maior do que o evento. Como então, o dogma, que se baseia no registro, pode pretender julgar o evento? É O EVENTO QUE TEM QUE JULGAR O DOGMA, e não o contrário. Na esteira dessa inversão, diminui-se Deus, aprisiona-se o melhor sentido da Palavra e sepulta-se qualquer esforço hermenêutico.

O fundamentalismo, embora nascido evangélico, não é protestante. Isso porque sua formulação desconsidera o Espírito que fala também pelo Seu povo. A interpretação do texto? Ah! Esta cabe aos notáveis… que cá entre nós, nem “anotáveis” são. Cria-se uma figura estranha ao Protestantismo: o Magistério, aquele que disciplina e ordena a interpretação. Não há mais leitura livre da Bíblia. O alimento espiritual passa a ser dado via parenteral, pelo “magistério”.

O fundamentalismo envergonha. Sua hipocrisia e sua violência impositiva fazem com que os fins justifiquem os meios, desconsiderando padrões éticos mínimos para lidar com o poder, seja no contexto restrito denominacional, eclesial, seja na sua inserção no espaço público. Isto porque a pretensão fundamentalista é de impor sua agenda a toda sociedade, mesmo àquela parte que não aceita ou compactua com suas bases ou pressupostos. Por esse regramento social em “nome de Deus” topa-se qualquer coisa, inclusive aquilo que entristece o Espírito.

Cuide-se. Essa praga está se alastrando sob financiamento da extrema direita americana e patrocínio de certos setores do Governo. E saiba: isso não tem nada a ver com o Evangelho vivido e pregado por Jesus de Nazaré. Há bons e grandes fundamentalistas “cristãos” no inferno. Não queira visitá-los.

Paz e Bem.

 

[Sugiro a você, especialmente se for pastor ou pastora, ler o texto do Pr. Kivitz no Instagram dele de 25/03]

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